José Reinaldo Marques
Por: Bruno Augusto da costa
Aos 9 anos de idade, sua brincadeira predileta em Salvador, onde nasceu, era pegar uma caixinha de fósforos e fingir que manejava uma máquina fotográfica. Quase sete décadas mais tarde — seis na profissão — Gervásio Baptista é respeitado decano do fotojornalismo brasileiro, que registrou alguns dos mais importantes episódios da História nacional e mundial e fez amizade com vários presidentes, como José Sarney, Juscelino Kubitschek e João Goulart, a quem costumava emprestar seu carro: — Ele usava meu velho Opel conversível para sair à noite no Rio. Só não posso contar com quem ele ia se encontrar — diz ele, rindo. No exterior, entre outros fatos, Gervásio registrou a revolução cubana, a derrubada do Presidente argentino Juan Domingo Perón e a guerra do Vietnã, que cobriu para a revista Manchete, acompanhando o então repórter Murilo Mello Filho: — Foi a experiência mais desagradável da minha vida, a pior lembrança. Em Saigon, vi miséria, prostituição e atrocidades, muita coisa que nem fotografei. Gratificado por ter tido a oportunidade de conhecer grandes profissionais — como Cartier-Bresson, que considera o papa do fotojornalismo —, ele diz que a fotografia brasileira deu um grande salto de qualidade no último meio século e que não é contra a tecnologia, mas tem críticas ao eventual mau uso do processo digital: — Ele facilita a vida dos falsificadores. A foto de capa da Manchete que eu fiz na inauguração de Brasília, com JK acenando para a população, foi adulterada e assim vem sendo publicada lá fora. Este é o lado negativo da tecnologia, que, aliás, não adianta se não se tem por trás da câmera alguém com muito feeling. O início Estagiário no laboratório do Estúdio Foto Jonas, de um amigo do pai, Gervásio teve sua primeira oportunidade quando o patrão precisou sair pouco antes de o Senador Rui Santos, da antiga UDN, aparecer por lá, precisando de uma foto 3 x 4. — Convenci-o de que podia fazer o serviço, apesar de ter que subir num banco para usar a máquina. Mas valeu a pena, pois ao ver o resultado, ele perguntou se eu queria trabalhar num jornal. Era o meu sonho! Assim, quando completei 11 anos, estreei como ajudante de fotografia no Estado da Bahia. Nova chance surgiu no início dos anos 50, quando Assis Chateubriand, dono dos Diários Associados, foi a Feira de Santana, receber uma comenda de vaqueiro. Com um fotógrafo doente, Gervásio foi enviado pelo Estado da Bahia para cobrir a matéria. Teve sorte: — Registrei o momento em que o Chateaubriand estava sendo levantado por quatro homens para montar no cavalo. Ele perguntou se eu queria me desmoralizá-lo e pediu que lhe entregasse o filme, mas expliquei que não podia e que, se ele quisesse, que fosse ao dono do jornal solicitar as fotografias. Pois ele foi à redação e disse para o Odorico Tavares: “Ajuda esse menino, que ele tem talento. E compra umas calças compridasPor: Bruno Augusto da costa
para ele.” Depois, virou-se para mim e perguntou se eu queria ir para o Rio. Um ano depois, mandou me buscar.
Gervásio chegou ao Rio com 14 anos e foi contratado para trabalhar na revista O Cruzeiro — “lá eu trabalhei com os grandes cobras, como o Jean Manzon”, lembra. Em 1954, foi para a Manchete, onde ficou até 2000, quando ela deixou de circular. Ali publicou fotos famosas, como as do enterro de Getúlio Vargas, em São Borja, Rio Grande do Sul. Na volta do sepultamento, conseguiu burlar a segurança e entrar no avião da Presidência que retornaria ao Rio, escondendo-se no banheiro até ser descoberto pelo Coronel Caiado de Castro, então Chefe da Casa Militar do Governo, que lhe deu voz de prisão. Viajando no mesmo avião, Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora, disse que intercederia a seu favor se ele lhe cedesse algumas fotos: — Eu recusei e fiquei sentado próximo à porta. Quando chegamos ao Rio e o avião acabou de taxiar, saltei na pista, saí correndo e fui direto para a redação da Manchete. Quando o Adolpho Bloch me viu, reclamou: “Eu não te mandei ir cobrir o enterro do Getúlio?” “Mas eu fui e já estou de volta”, respondi. No final, as fotos ficaram tão boas que renderam uma edição especial da revista. Além das grandes coberturas, Gervásio também fez grandes amigos na Manchete. Como Murilo Mello Filho, que diz: — Seu desempenho profissional foi sempre admirável. Do auge da guerra do Vietnã — onde pude testemunhar sua valentia nas frentes de combate, arriscando a própria vida — aos aventurosos dias da construção de Brasília — que documentamos juntos, semana a semana, para os leitores da revista.